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Homenageado duplamente, Antunes Filho cria versão de peça de Tennessee Williams

Esta tem sido uma semana agitada para Antunes Filho. Na segunda-feira, o diretor foi homenageado pelo Prêmio Governador do Estado. Na terça, foi a vez do Prêmio Shell dar-lhe graças. Já nesta quarta (23) é dia de ele mostrar o que sabe fazer melhor: teatro.

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Aos 86 anos, Antunes dirige “Blanche”, versão para “Um Bonde Chamado Desejo”. O clássico de Tennesse Williams (1911-1983), no entanto, chega à sala de ensaio do Centro de Pesquisa Teatral (CPT/Sesc), no Sesc Consolação, de uma forma bastante particular: o texto foi vertido integralmente para o fonemol – língua imaginária que prioriza a emoção à razão e convoca o público a participar do espetáculo também de forma criativa, imaginando o que os personagens estão falando uns com os outros.

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“É uma língua inventada, uma junção de sílabas. Não são palavras que a gente conhece, a gente inventa enquanto  fala. Nos anos 1980, o Antunes fazia espetáculos inteiros assim”, explica o ator Marcos de Andrade.

“A ideia é extrair da cabeça do ator o racionalismo da palavra. Quando você entra nesse fluxo, pode encontrar na voz uma musicalidade mais ligada às sensações, e não à raiz dos pensamentos. A palavra não é o fim, ela é o meio”, completa o colega de elenco Felipe Hofstatter.

20160322_SP20__Antunes Filho foto Jairo Goldflus
O diretor teatral Antunes Filho | Jairo Goldflus/Divulgação

Marcos e Hofstatter encarnam, respectivamente, os personagens Blanche DuBois – que dá título à peça – e Stanley Kowalski. Ela é uma sulista decadente que, após ser desonrada, busca abrigo na casa da irmã, Stella (Andressa Cabral), casada com Stanley, um imigrante polonês bruto e passional. Blanche é pura aparência, enquanto Stanley é pura emoção. A chegada dela e os conflitos decorrentes daí desestabilizam a outrora calma vida do casal.

Blanche é sucessivamente maltratada por Stanley, e esse aspecto ganha novas camadas de leitura devido ao fato de ela ser interpretada por um homem.

“Ter um cara fazendo uma mulher não é só pelo sentido prosaico, mas condiz com a visão de mundo do Antunes. Para ele, nada ‘é’. Tudo está no caminho, nada está definido. A ideia é que ela tenta diluir as fronteiras entre as coisas. Apesar de eu ter ficado surpreso com o convite para o papel, fez todo o sentido para mim”, explica Marcos.

“Blanche é uma das maiores personagens da história do teatro. Eu sou a favor dela, que é um ser humano espezinhado. Tem o negro, a mulher, o homossexual, o transgênero. Quero discutir a mulher ali, os perseguidos e maltratados pela sociedade”, afirma Antunes.

A montagem estreia em um momento de forte tensão política no Brasil e que reabre feridas da luta de classes entre ricos e pobres – algo citado por Tennessee Williams ao colocar uma aristocracia decadente batendo de frente com um trabalhador da periferia.

“Essa aristocracia está aí, mas tem que acalmar os ânimos do país, né? Eu acredito no voto, acredito na maioria e não abro mão disso. Eu sou democrata”, afirma ele.

O diretor culpa seu jeito “franciscano de levar a vida” pelo fato de colocar a montagem em um espaço alternativo e mais intimista, e não no palco italiano. Mas não só. “Estamos numa onda de muito musical e muito monólogo. Isso é muito chato, a maioria não tem técnica para segurar a plateia, você sai do nível artístico para ficar na base da paixão – e as pessoas se iludem com isso”, critica.

“Queria sair dessa máfia terrível, do tatibitati comercial, do consumo. Queria fazer algo para nós, para nossa cultura, e discutir teatro. Acho que não se faz mais isso. Gosto de certo idealismo. Esse espetáculo é uma experiência, um tentativa de plantar e semear algo e ver o que acontece. Mais importante que tudo é a gente estender a mão e chamar as pessoas um pouco à responsabilidade”, conclui ele.

Serviço:

No Sesc Consolação (r. dr. Vila Nova, 245, tel.: 3234-3000). Estreia quarta (23). De qua. a sex., às 20h; sáb. e feriados, às 17h. R$ 30. Até 25/6.

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