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Documentário ‘Gaga – Amor pela Dança’ capta força de coreógrafo israelense

O cineasta israelense Tomer Heymann não titubeia ao falar que sua vida teria sido completamente diferente se, 25 anos atrás, não tivesse aceitado convites para ver um espetáculo da companhia Batsheva, que começava a operar sob a batuta do coreógrafo Ohad Naharin.

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“Essa foi a minha virada. Fiquei bêbado sem ter ingerido álcool simplesmente com o poder da dança”, afirma ele, que, naquele momento, percebeu que usaria a arte para traçar seu próprio percurso.

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Foi esse encontro explosivo que Heymann buscou captar em “Gaga – Amor pela Dança”, que estreia nesta quinta-feira (6) após ter vencido o prêmio de melhor documentário internacional pelo júri popular na última Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

Desenvolvido ao longo de oito anos, o filme faz um retrato singular de Naharin, idealizador do Gaga, um estilo de dança vigoroso, criado a partir das individualidades dos bailarinos, que se tornou sua assinatura artística.

“Queria mostrar o homem, mas também a dança, e a câmera precisava ser parte da companhia. A dança é abstrata, e eu quis torná-la significativa”, diz ele, que esteve em São Paulo para lançar o longa.

Leia a íntegra da entrevista com Tomer Heymann:

Tomer HeymannDe onde veio a ideia para criar este filme e o que o fascina na obra de Ohad Naharin?
Acho que o primeiro momento em que sonhei com isso foi há 25 anos, no início dos anos 1990. Eu era um jovem de 20 anos e tinha me mudado de uma vila muito pequena e primitiva para Tel-Aviv, uma cidade grande. Alguém da minha família começou a trabalhar na Batsheva e disse que me daria ingressos para ver o espetáculo de um novo rapaz que havia chegado, chamado Ohad Naharin. Na época eu era muito estúpido e superficial e achei que seria muito chato. Não via motivos para ir. Na décima vez que ela me chamou, decidi tentar – e esse momento foi uma virada na minha vida, um testemunho do poder e da inspiração da arte. Eu era um sujeito que nunca tinha visto arte na vida e estava assistindo a uma criação de Ohad Naharin chamada «Kyr». Viajei alto depois disso. Corri para o mar e entrei nele com as roupas no corpo. Eu estava bêbado sem ter ingerido álcool. Foi como alguém indo pela primeira vez ao Carnaval no Brasil. Você não acredita que aquilo existe. Vi o espetáculo 30 vezes em 2 meses, todas as noites, porque era muito poderoso. E esse foi o momento em que me apaixonei pela dança. Basicamente, Ohad Naharin me abriu a porta para nadar nesse mundo da arte. Sem isso, minha vida seria menos interessante e abrangente. Logo depois vi outra peça dele sobre questões de gênero na qual havia duas mulheres se beijando no palco e falava sobre aids. Isso foi antes da revolução queer e LGBT. Foi incrível eu, um homem gay, ver no palco, em 1992, algo que se conectava com isso. Uau! Finalmente alguém colocou a questão da sexualidade de uma forma simples, sem ser algo do outro mundo. Ohad faz parte dessa revolução. Então, por anos, tive esse sonho de fazer um filme, mas apenas muito tempo depois, quando eu já era um cineasta reconhecido em Israel, fui conversar com ele, que disse que eu poderia esquecer. «Não quero nenhum filme. Agradeço seu interesse.»

É difícil conseguir entrevistá-lo. Eu já tentei!
Você sabe do que estou falando então. Espero que você me aprecie mais por isso (risos). É difícil dar entrevistas. Vivi tudo isso [como cineasta], mas eu passei confiança e ele se doou bastante. Foram necessários oito anos para construir isso e absorver a formação de Ohad Naharin. Quem conhece o trabalho dele provavelmente não sabe da história que ele teve no exército, por exemplo.

Gosto especialmente quando ele brinca sobre o que seria verdade na vida dele…
Ele brinca e manipula a verdade para fazer você ver quão longe as histórias podem ir. Parentes dele, irmãos e amigos, saíram do filme e me disseram que ele não havia dito algumas daquelas coisas a eles. Eles estavam surpresos. Ohad não gosta de falar disso, e o filme o força a se expor e ser simples, coerente e disponível para as pessoas sem manter a postura de coreógrafo durão sobre o qual não se sabe nada. Eu queria torná-lo humano, com fraquezas e forças. Levei tempo para amá-lo, e queria que o público vivesse o mesmo processo. Foi algo muito difícil, complexo, com altos e baixos, amor e ódio, risos e lágrimas. Houve momentos em que ele me mandou para casa e eu disse que não iria. Foi interessante esse diálogo entre o cinema e a dança.

Eu admiro muito essa relação entre a câmera e a dança. Você usa muitas gravações de arquivo, mas como você imaginou a câmera para as gravações dos trabalhos atuais?
Disse para o câmera que ele precisava ser parte da Batsheva, senão não seria autêntico. Ele precisava dar a sensação de dançar com a câmera. Não dava para ficar parado. Não usamos tripé. Estávamos dançando, caminhando entre os bailarinos. O câmera precisava buscar um tipo de ângulo que o público não consegue ver quando assiste ao espetáculo no teatro. Isso era muito claro para mim. Eu ofereço para você uma câmera de dentro do palco. Às vezes você vê o fundo, às vezes a imagem a partir das coxias. É incrível. Você não consegue comprar um ingresso para assistir ao espetáculo de lado, de cima ou com zoom. Então criamos um estilo único, mas sem querer competir com a dança em si. Para isso, vá ao teatro. Damos algo diferente: a habilidade de escolher um elemento da obra e colocar foco nele. Lembro que um dia falei para Ohad que havia encontrado a chave para fazer esse filme: desisti de ter lealdade e compromisso com a obra original dele. Por muito tempo era importante para mim honrar aquilo, mas percebi que era o contrário. Eu iria ser um coreógrafo da coreografia de Ohad Naharin. Eu precisaria esquecer do original. E essa liberdade trouxe o estilo do sr. Gaga, e acho que isso é o que surpreende as pessoas: a chance de sentir o espetáculo, mas não da forma clássica.

O maior desafio era realmente o de captar a essência de cada trabalho e transformar isso em cinema, certo?
Sim, porque eu pensava no cinema, e não na dança. Eu pensava nas pessoas sentadas no cinemas e queria criar um filme que tivesse poder na tela grande. Eu construo algo e você monta o quebra-cabeça com as peças da biografia e das danças de Naharin. Algumas pessoas ficam confusas com isso, mas essa foi a minha decisão. A dança é abstrata. Como posso dar sentido e tornar concreto algo que é abstrato? Como encontrar a conexão entre a biografia e a dança? Esse foi o trabalho mais difícil da minha vida.

Ohad Naharin criou essa técnica de dança chamada Gaga, que está no título do filme, mas você não explica o que ela seria de forma clara. Por quê?
Porque eu não queria fazer um filme que fosse uma propaganda ou explicação do Gaga. Eu sei o que é o método e posso te falar dele em um minuto. Coloquei no título do filme porque gosto – é sexy, cool -, mas Gaga é apenas um elemento do filme e da vida dele. Uma coisa que amo de  fazer filmes é não dar tudo mastigado para o público. Não quero que ele tenha certeza de tudo. Queria que o filme confundisse, que o público não soubesse o que era verdade, que tivesse perguntas abertas. E é simples: se você termina o filme achando que Gaga é algo bom, você vai ao Google e procura.

Por que você fez uma campanha de crowdfunding para o filme?
Comecei porque consegui dinheiro de Israel, mas eles ficaram muito preocupados que eu não terminasse o filme. Eles me deram quatro anos de prazo, mas eu ainda não estava gostando do filme. Diziam que eu estava louco, obsessivo, doente, e eu dizia que não ia entregar. Com isso, não consegui mais dinheiro. Então tive a ideia de criar a campanha e dividir o filme com a comunidade Gaga. Foi uma ideia para ver se as pessoas estariam interessadas no filme. Foi assim que consegui comprar imagens de arquivo e ir a Nova York, que é uma parte importante do documentário. Também descobri muitas pessoas. Foi lindo ver gente do Brasil e do Japão participando. Foram 888 apoiadores de 52 países. O Brasil foi um dos 10 países que mais nos apoiou. Foi incrível saber que as pessoas queriam me ajudar a ter o que eu precisava. Nós também queremos falar com pessoas para além desse nicho. Não queremos apenas a plateia óbvia. Quero falar com pessoas como eu era. Vim de um movimento antidança. Quero criar antagonismo e dizer para elas: ei, tentem ver isso. Eu tentei e o gosto da dança nos meus lábios deixou minha vida muito mais saborosa e melhor. Você não precisa conhecer Ohad Naharin, não precisa nem gostar de dança, mas abrir o coração e ver uma história de amor. Aí talvez você descubra muitas outras camadas dentro.

E você já experimentou o Gaga?
Sim. Meu parceiro havia me deixado e fiquei muito deprimido e para baixo. Telefonei para Ohad dizendo que não iria para a gravação. Ele disse que eu soava muito mal e me pediu para que eu tentasse o Gaga.People, voltado para pessoas normais. Eu disse que tinha vergonha do meu corpo, mas fui mesmo assim e ele cobriu o espelho. Eu gostei, porque se você não está muito feliz ou satisfeito consigo, não precisa ver seu reflexo. Depois de três vezes com o Gaga, no meio da minha depressão, minha solidão e minha sensação de vazio, eu comecei lentamente a recuperar o gosto da vida. Voltei a reconhecer meu corpo e, depois de um mês, voltei a sorrir e a comer. Eu estava realmente muito deprimido com a separação, e o Gaga me ajudou a me reconectar. Essa é minha experiência. Eu tinha vergonha, mas me surpreendeu.

Veja o trailer de «Gaga – Amor pela Dança»:

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