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Drama ‘SieraNevada’ mostra diretor romeno como mestre da construção

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O cineasta romeno Cristi Puiu revelou-se um mestre do controle e da construção no drama “SieraNevada”.

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O título remete a um faroeste, como o próprio diretor menciona, mas é mais um sintoma da estranheza que o filme procura investigar do que outra coisa. Nada que chegue a ser o “rosebud” de “Cidadão Kane”, de Orson Welles, portanto, mas, ainda assim, revelador das intenções de Puiu, conhecido por “A Morte do sr. Lazarescu” (2005), ainda inédito no circuito comercial brasileiro.

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É mais uma vez em torno de um morto, como naquele filme, que se constrói a história, concentrada claustrofobicamente num tempo e lugar.

Praticamente toda a trama passa-se dentro de um apartamento, onde se prepara a cerimônia que marca os 40 dias da morte de um homem, uma tradição na religião ortodoxa romena, no espaço de poucas horas. Espera-se apenas a chegada de um sacerdote, cujo atraso alonga as tensões e expectativas e permite que os dramas se desenrolem, carregados de uma tensão sempre a um passo de explodir.

Inevitável lembrar de Luis Buñuel, já que as pessoas da família do morto, ali amontoadas e tropeçando o tempo todo umas nas outras, não saem do mesmo lugar por um bom tempo, como presas por uma força invisível (como em “O Anjo Exterminador”). E, mesmo preparando comida sem cessar, não conseguem comer, por mais que várias vezes sentem-se à mesa posta (como em “O Discreto Charme da Burguesia”).

Mas, ainda que haja essas referências no horizonte, o fato é que Puiu atualizou o registro e firmou as raízes muito claramente em seu próprio país, identificando em cada um dos membros da família alguma vertente que permite discutir seu lugar no mundo. Ou seja, é uma Romênia encaixada na Europa e na contemporaneidade, povoada por uma classe média em busca de ascensão econômica e consumismo, ainda que debatendo-se com a herança de um passado comunista — sobre o qual alguns dos que o construíram, como a impagável tia Evelina (Tatiana Iekel), têm muito a dizer.

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A discussão entre a velha senhora militante, ainda comunista, e uma de suas sobrinhas, Sandra (Judith State), aliás, é um dos momentos mais vívidos do filme, por remeter a uma polarização política que, neste momento, varre o mundo.

Ao contemplar também discussões entre outros membros da família sobre o estado do mundo, o 11 de setembro, George W. Bush e a onipresente vigilância eletrônica, o filme embarca também em outras direções. Uma delas, a exposição implacável dos mecanismos de funcionamento da família – de todas as famílias do mundo, aliás -, num constante esgarçamento das verdades e mentiras que colidem naquele pequeno espaço.

É evidente que há uma construção muito rígida, quase teatral, destas entradas e saídas de atores de quartos e salas. Há alguns aposentos onde nunca se entra, nem se vê quem está lá dentro. E o olhar solto sobre tudo isso evoca o do morto, como um invisível observador do caos que se instalou após sua passagem. Ou até o olhar do diretor, simplesmente, que está perto demais de tudo o que aborda para ter distanciamento, assim como cada um de seus personagens. Ou seja, estão todos imersos no cotidiano, na vida, como qualquer um, dentro e fora do filme.

Há, nesse caos, algo de exasperante – até porque “SieraNevada” dura praticamente três horas. E nessa contradição está a força do que se vê. Do público, no entanto, se exige imersão para aproveitar esta pequena e instigante temporada no inferno.

 

Assista ao trailer do filme:

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