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Especialistas discutem potencial político de performance de Beyoncé no Super Bowl

A cantora americana Beyoncé tem sido acusada de racismo e de atitudes anti-policiais após sua poderosa apresentação no intervalo do Super Bowl no último domingo (7). Em uma performance para divulgar o novo single «Formation», tanto ela quanto suas dançarinas vestiram figurinos pretos em homenagem aos Panteras Negras, partido radical formado por negros nos anos 1960. O ex-prefeito de Nova York Rudolph Giuliani classificou o espetáculo como «ultrajante». Especialistas comentam o episódio, que colocou mais gasolina no debate racial que se apresenta atualmente nos Estados Unidos.

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Joe FeaginEntrevista com Joe Feagin, sociólogo especialista em relações étnicas da Universidade Texas A&M:

Você vê racismo nas ações de Beyoncé durante o show do intervalo do Super Bowl?
O único tipo de racismo presente nos Estados Unidos, para falar corretamente, é o racismo branco – isto é, a opressão racial de brancos sobre afroamericanos e americanos de cor, algo que ocorre em todas as instituições do país há pelo menos 400 anos. Ao longo de seus primeiros três séculos, este país foi construído a partir da matança de nativos americanos por brancos e depois pela escravização de negros com o objetivo de criar riqueza branca nestas terras pilhadas. O que Beyoncé e movimentos como Black Lives Matter (vidas negras importam) estão fazendo é tensionar e resistir à opressão racial imposta pelos brancos. O motivo pelo qual brancos quase não veem isso dessa forma é porque eles criaram uma mitologia branca própria para enquadrar a sociedade e, portanto, querem proteger o enriquecimento injusto deles, coletado por séculos de discriminação racial e opressão. As vidas da população branca deste país e o «individualismo branco» (que significa «conseguimos tudo isso por meio de trabalho duro») faz com que a maioria dos brancos não encare a verdade da opressão racial coletiva que eles e seus ancestrais perpetraram.

O ex-prefeito de Nova York, Rudolph Giuliani, atacou Beyoncé por ela ter usado sua «ultrajante» performance no intervalo do Super Bowl para prejudicr oficiais de polícia. Foi ofensivo?
Ele é um formador de opinião da elite branca e masculina de extrema direita, que defende um sistema racista, incluindo a brutalidade policial e as más práticas contra americanos de cor em muitas cidades, inclusive em Nova York, onde ele foi um prefeito opressor. Beyoncé foi corajosa por criticar moderadamente a opressão racial, incluindo assassinatos de negros por policiais sem qualquer razão.

Declarações como essas, de famosos, têm algum peso?
Ajuda a criar uma discussão necessária sobre racismo branco, mas, em geral, elas não duram muito.

A performance de Beyoncé retrata o profundo conflito racial nos Estados Unidos?
Ele apenas remexeu a profunda da opressão racial no país, que começou com a matança de milhões de nativos americanos com o objetivo de criar uma riqueza para fazendeiros brancos baseada na terra. Eles transmitiram essas riquezas conquistadas injustamente a seus descendentes nos dias de hoje.

O que mais pode ser feito para acabar com o racismo?
Ele não poderá ser reduzido significativamente até que os brancos reconheçam seu papel na opressão racial há 400 anos. Eles precisam começar a viver verdadeiramente sob a retórica de «liberdade e justiça para todos». Isso vai requerer outro grande movimento de larga escala em prol dos direitos civis, como o que ocorreu nos anos 1960, para fazer com que brancos desistam de seus mitos sobre como esse país foi construído e como funciona.

O Oscar tem sido pressionado por tendências discriminatórias na suas indicações. A Academia tem suprimido historicamente as conquistas artísticas das minorias?
Certamente. A elite branca e masculina que controla a maioria das indústria deste país, incluindo a de cinema e de mídia, tem sido bastante relutante em abrir mão de qualquer controle significativo sobre qualquer aspecto na produção de grandes filmes. Ela sente que devemcontrolar o pensamento crítico deste país também, senão haverá mais protestos contra o racismo institucional, disputa de classes e sexismo.

Alguns atores estão convocando um boicote à premiação. Isso poderia gerar algum impacto?
Pode gerar um impacto modesto ou respostas positivas da elite branca masculina, mas elas serão, no máximo, limitadas em nível histórico.

Como podemos lidar com esse problema?
Infelizemente, apenas movimentos organizados de protesto conseguiram trazer alguma mudança significativa para a história branca e racista desse país. Este país nunca foi uma democracia de verdade, e não é uma remotamente algo do tipo agora. Homens brancos de elite controlam a maioria das áreas, mas representam apenas 28% da população. Essa é a base do problema, junto com a predominância racial branca da sociedade.

 

Carol SwainEntrevista com Carol M. Swain, professora de ciência política e direito da Universidade Vanderbilt:

Como você avaliaria a performance de Beyoncé no Super Bowl?
A única coisa mais obscena do que a exploração de mau gosto das tensões raciais americanas por Beyoncé é o apoio que ela continua a ter do presidente Barack Obama. Sua leitura do racismo tende a alienar ainda mais a juventude negra e não faz absolutamente nada para avançar o entendimento racional entre diferentes grupos raciais.

Ela apresentou uma visão correta sobre os problemas raciais nos Estados Unidos?
Ela apresentou uma visão política correta da questão racial nos Estados Unidos, mas unilateral. O que falta é uma discussão sobre a falta de valorização de vidas negras em comunidades negras.

O show serviu para chamar a atenção para o problema?
Foi uma performance de mau gosto e inapropriada que colocou mais combustível no estranhamento entre a juventude negra e a polícia. Minha visão é a de que o show dela não tem nenhum objetivo construtivo além de conseguir atenção da mídia. A ação dela não deve mudar o debate político sobre polícia e comunidade negra. Ela se beneficia enormemente da cobertura midiática sobre a pertinência de sua performance e da mensagem que ela envia aos EUA.

Podemos acabar com o racismo?
O racismo deve ser abordado, primeiramente, a partir da assunção de que qualquer um pode ser racista e que parte do problema sobre questões de raça nos EUA parte de uma alta taxa de criminalidade e da falta de esforço de líderes negros em assumir qualquer responsabilidade sobre o que acontece em suas comunidades. O tempo de tornar este um problema exclusivo ou meramente branco já passou. É hora de as verdadeiras lideranças negras se levantarem e dizerem que basta. Devemos assumir alguma responsabilidade sobre as decisões que tomamos individualmente ou coletivamente.

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